Mastectomia, feminização da voz e mais: como o direito por procedimentos na saúde impacta a vida de pessoas trans

  • 26/10/2025
(Foto: Reprodução)
Davina apontou melhorias na rotina e no corpo após cirurgia de feminização da voz. Perder a voz após tanto tentar adaptá-la a um tom confortável para o ouvido alheio, mas não para o próprio corpo. Assim eram os episódios de rouquidão vividos por Davina Morais. Ela, mulher trans, forçava um timbre agudo na tentativa de evitar as violências que a faziam calar. O desconforto, após anos, foi resolvido de forma pioneira: ela foi a primeira a passar pela cirurgia de feminização da voz (glotoplastia de Wendler) na rede pública de saúde do Ceará. 🏳️‍⚧️ Esta é a primeira reportagem da série “Saúde Transformada” publicada no g1, que mostra as diversas questões que envolvem as pessoas trans e o acesso à saúde. ✅ Clique aqui para seguir o canal do g1 Ceará no WhatsApp Dos 34 anos vividos, o último veio com um conforto a mais. No fim de 2024, Davina passou pelo procedimento estreante — que, desde então, entrou no catálogo de cirurgias oferecidas pelo Hospital Leonardo da Vinci, em Fortaleza. “Os atravessamentos que eu tive em relação a essa questão, principalmente sobre como a cirurgia foi um fator determinante para mim, para o meu bem-estar, é porque as violências que me atravessavam era da natureza da transfobia”, declarou a auxiliar administrativa. “A questão da minha voz era que você tinha uma voz, um timbre, que não correspondia com a imagem que estava sendo performada, no caso que as pessoas assimilavam”, reforçou. Davina Morais foi a primeira mulher trans a passar pela cirurgia de feminização da voz na rede pública do Ceará. Thiago Gadelha/SVM Para ela, simples aspectos do dia a dia, como pedir uma informação, atender um telefone ou cumprimentar alguém em público, eram prenúncio de violências que se tornavam cada vez mais comuns. “Eu comecei a perceber que, de fato, não era seguro para mim estar em espaços públicos ou de movimentação e eu não me sentia segura em ser eu mesma. Então, era como se esses episódios de violência legitimassem a minha disforia, o que me causava uma insegurança, uma ansiedade, um pânico de, de fato, conviver em sociedade. Então, eu acabei criando uma cultura própria de me retrair”, lamentou. A cirurgia, garantida pelo Sistema Único de Saúde (Sus), então, se tornou como um divisor de águas para a auxiliar administrativa. “Veio com essa esperança de me tirar desse lugar de violência e poder, enfim, estar num espaço de uma maneira mais tranquila e sem ser violentada”, disse Davina. Depois da cirurgia, eu já não sinto isso. Como mudou toda a estrutura vocal da minha voz, então não tem nem como me esforçar mais para não sair grave, porque é uma coisa que já sai muito natural. Eu não preciso nem me esforçar, e acabaram os episódios de rouquidão e dificuldade de fala. A transfobia sofrida por Davina relacionada à própria voz é apenas uma das violências que pessoas trans no Ceará vivenciam. Em 2024, o estado amargou o primeiro lugar nos assassinatos de pessoas trans no Nordeste, conforme dossiê da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra). No Ceará, a legislação segue entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) que equipara a homofobia e a transfobia aos crimes previstos na Lei nº 7.716/1989 — conhecida como Lei do Racismo — até que seja aprovada legislação específica sobre o tema. Sertrans Na busca de diminuir violências e garantir o direito da população trans, o Ceará possui, há oito anos, o Serviço Ambulatorial Transdisciplinar para Pessoas Transgênero (Sertrans), que funciona, desde março de 2025, no Hospital Universitário do Ceará (HUC) — anteriormente, ficava localizado no Hospital de Saúde Mental de Messejana (ambas unidades na capital). A unidade é exclusiva à saúde da população trans e possui equipe multiprofissional formada por assistentes sociais, endocrinologistas, enfermeiros, psicólogos e psiquiatras e clínicos gerais. Além das consultas, o Sertrans oferta reposição hormonal, exames laboratoriais e de imagem. “É fundamental que todas as pessoas, independente de gênero ou raça, tenham acesso à saúde. E as pessoas trans em específico enfrentam muitas barreiras para acessar um serviço de saúde, mesmo no posto de saúde ou qualquer outra unidade”, disse Victor Rezende, endocrinologista e coordenador do Sertrans. O endocrinologista Victor Rezende é coordenador do Ambulatório Sertrans, em Fortaleza. Thiago Gadelha/SVM “Sempre houve essa necessidade, uma demanda, para um local que atendesse pacientes trans, porque muitas vezes as pessoas não procuram, não acessam os serviços de saúde”, reforçou o endocrinologista. As cirurgias buscadas por pessoas trans, no entanto, ainda não são ofertadas no ambulatório. Porém, o acompanhamento na unidade é fundamental para encaminhamentos posteriores. “Quando o nosso paciente tem uma demanda de fazer a cirurgia, ele é encaminhado para a rede, seja aqui no Ceará, se a gente conseguir fazer uma cirurgia como, por exemplo, da retirada do útero em homens trans, que é um procedimento menos complexo, até procedimentos mais complexos que não são ofertados aqui no estado”, comentou Victor. O ambulatório acompanha, atualmente, cerca de 600 pacientes e realizou mais de 2 mil atendimentos entre março e setembro deste ano (quando mudou para o HUC). Para acessar os serviços do ambulatório, o coordenador do Sertrans explicou que os pacientes precisam buscar, primeiro, algum posto de saúde e solicitar encaminhamento. Assim, o solicitante entra na fila de regulação do estado. Mudança radical Kaio destacou as mudanças na própria vida após passar por mastectomia transmasculinizadora No fim de 2024, o Ministério da Saúde apresentou o Programa de Atenção à Saúde da População Trans (Paes Pop Trans). No entanto, a portaria segue sem ser publicada pelo Governo Federal. Entre as mudanças com o programa, a Tabela de Procedimentos, Medicamentos, Órteses/Próteses e Materiais Especiais do Sus excluiria 14 procedimentos e incluiria 34 novos. Entre os novos procedimentos, o Paes Pop Trans incluiria 21 ambulatoriais, 13 hospitalares e os necessários para garantir o acesso às medicações utilizadas na hormonização cruzada. Um dos procedimentos comumente buscados por pessoas trans, especificamente as de gênero masculino, é a mastectomia transmasculinizadora. O procedimento foi uma “mudança radical” para Kaio Nilo, de 28 anos. O jovem carregava a vontade da retirada desde que iniciou o processo de transição. “Uma das coisas que eram muito fortes pra mim era a questão de retirar os seios, porque eu me sentia muito desconfortável com o corpo”, disse. Ao iniciar o processo de transição, Kaio comprou o primeiro “binder”, um tipo de top compressor costumeiramente usado por homens trans para diminuir o volume dos seios. “Era muito chato ter que viver com uma coisa apertando. E, a depender do tamanho dos seios, sua, fere, porque é um material meio grosso, justamente pra poder prender. Então, era muito desconfortável”, lembrou o desenvolvedor full stack. Kaio Nilo conseguiu realizar mastectomia transmasculinizadora pelo plano de saúde, após judicializar o pedido. Ismael Soares/SVM A luta com o desconforto causado pelo binder era apenas um capítulo da batalha que Kaio travaria para se sentir pleno no próprio corpo. Kaio sofreu durante mais de um ano para conseguir realizar a cirurgia pelo plano de saúde do qual era cliente. “Foi um ano de luta, praticamente, porque eu comecei a falar com ela [atendente do médico que realizou o procedimento] em fevereiro de 2024 e eu só tive a certeza em fevereiro de 2025 que eu ia fazer a cirurgia em março”, comentou o jovem. Faltas de respostas, remarcação da data da cirurgia, entre outros desrespeitos, foram desafios que o jovem precisou lidar em busca de algo que é dele por direito. Entidades como a Agência Nacional de Saúde Suplementar e o Conselho Federal de Medicina entendem que as cirurgias de afirmação de gênero devem ser cobertas por planos de saúde, levando em consideração o atendimento integral de pessoas trans. Foi uma mudança muito radical depois da cirurgia [...] me senti de fato completo, me enxerguei e disse ‘poxa, eu sou isso aqui mesmo. “Eu sempre tive muita dor nas costas. Depois disso, eu melhorei muito [...] Eu consegui fazer exercício físico que eu não conseguia fazer antes porque eu me sentia desconfortável [...] Então, foi uma mudança muito, muito drástica, até na questão psicológica”, complementou o desenvolvedor. Auxílio na busca por direitos Quais os direitos de pessoas trans na saúde? Apesar de iniciativas como o Ambulatório Sertrans e de orientações de entidades de medicina, o acesso de pessoas trans à saúde segue esbarrando em problemas sistêmicos. “Essas pessoas têm uma dificuldade imensa de conseguir acesso ao Sus, na perspectiva de garantir esse atendimento, apesar da obrigatoriedade do Sus de fornecer todo esse atendimento”, comentou Mariana Lobo, supervisora do Núcleo de Direitos Humanos e Ações Coletivas da Defensoria Pública do Ceará. “A gente também recebe pessoas trans que têm planos de saúde descumprindo, efetivamente, as resoluções do Conselho Federal de Medicina. E muitas vezes entendendo alguns procedimentos relacionados tanto à mastectomia bilateral, como a outros procedimentos do processo transexualizador, como questão de estética”, complementou a defensora pública. Mariana disse que, diariamente, o Núcleo o qual ela coordena atende demandas de pessoas trans que reclamam de direitos negados desde terapias hormonais, passando pelo acesso ambulatorial, e até mesmo com o processo transexualizador. Conforme a defensora pública, diversas vezes, até mesmo o nome das pessoas trans é desrespeitado. “As pessoas muitas vezes se sentem constrangidas de ir aos equipamentos de saúde porque o seu nome não é respeitado. Então, muitas vezes o acesso aos equipamentos de saúde passa pelo constrangimento, e isso traz uma ausência de uma política de saúde efetiva”, apontou a defensora. Em abril, a Antra encaminhou ofício ao ministro da Saúde, Alexandre Padilha, demandando a publicação da portaria que oficializa o Paes Pop Trans, em busca de ampliar a atenção à saúde da população transgênero do País. “O cenário identificado é alarmante: a escassez de serviços, a concentração regional e a prevalência da transfobia institucional resultam em grave vazio assistencial, uma vez que o ‘processo transexualizador’ não foi devidamente implementado em diversos estados, deixando um vazio de direitos e agravos na saúde coletiva da população trans”, denunciou a Antra. Defensora pública Mariana Lobo coordena o Núcleo de Direitos Humanos e Ações Coletiva. Ismael Soares/SVM Assista aos vídeos mais vistos do Ceará

FONTE: https://g1.globo.com/ce/ceara/noticia/2025/10/26/mastectomia-feminizacao-da-voz-e-mais-como-o-direito-por-procedimentos-na-saude-impacta-a-vida-de-pessoas-trans.ghtml


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